Wednesday, 24 de April de 2024

Mais de trinta

Mulher: direto aos dois pontos

Mulher: direto aos dois pontos

Mulher: direto aos dois pontos

Radicalmente contra o extremismo, posso afirmar que o feminismo está longe do meu corpo cintilante, depilado com cera quente aqui e acolá. E meu corpo cintilante reconhece o pleno direito à vida que um indefeso feto adquiriu ao começar sua jornada antes mesmo de ser feto, quando ainda era um espermatozoide de cara na farofa do óvulo. A vida humana, desde que o mundo é mundo, começa de outra forma? Todas somos donas de nossos próprios corpos. E de nenhum mais.

Dona também da minha casa toda florida, sigo pelos cômodos, travestida de dama-do-lar, avental com babado, sofrendo “aceleradíssimas pancadas no coração” (ANJOS, Augusto dos) ao ver que não tenho tempo para fazer minha feira semanal. Uma revolução atrás da outra e cá estou acordando às 05h30min para levar para a escola as crianças, devidamente alimentadas com vitamina em pó, eu mesma dirigindo o carro do meu marido, saindo no braço para garantir a vaga de cada dia e assegurar a pontualidade no meu trabalho de horário comercial.

 A minha mesa é a mesma do meu colega de trabalho. Tudo igual! Não sei quanto ele ganha, mas lá em casa meu marido, fundamental como eu, ganha três vezes o meu salário. Mas isso vai mudar! Vou poder ajudar no orçamento familiar de igual para igual! Saio do trabalho, e depois de movimentar toda a família, posso tranquilamente fazer minha engenharia à noite, assegurando a educação dos meus filhos, 24h por dia, pela internet. Ao chegar a casa, sigo pelos cômodos desvirando chinelos, recolhendo roupas azedas e copos com água pela metade, para que tudo esteja vibrante no dia seguinte. Vou dormir exorcizando os maus espíritos da luta pelos direitos iguais.

Mais um dia de trabalho, o despertador me acorda e eis um par de mamilos, estigma dos mamíferos, falando por si e de encontro ao desejo de equanimidade das feministas. Ao fazer uso deles, me sinto também uma feminista. Usando uma blusa sem a proteção do sutiã, a imagem que associo é aquela que circula como a “Queima do sutiã”, da revolução de 1970. Quero sair às ruas e lutar pelo o que acredito. E na verdade, acredito que o normal é ter os bicos dos seios, acesos ou não, mas parece que frio ou calor é informação que apenas os homens podem exibir no peito e na raça.

Acredito que homens e mulheres estão no mesmo barco com o despontar dos bicos dos seios sob a blusa, quando a questão é sexual. Afinal, estar estimulado sexualmente é notícia que se pode obter observando a possível ereção dos mamilos em ambos os sexos. Essa gesticulação, muitas vezes involuntária, embebida de sensualidade, precisa ser incorporada como natural, por toda a humanidade. Vamos quebrar mais um paradigma comportamental que corrói a liberdade de expressão corporal feminina!

Não me incomoda a estética de ter os bicos ouriçados ou até mesmo apenas um. Não. Na verdade, quando apenas um fica ouriçado, eu detesto. Estimulo o outro até que tudo fique na mesma vibração. O que me incomoda mesmo é ter que me preocupar com o julgamento alheio de um acontecimento tão natural. A infeliz expressão facial de quem repara o que está acontecendo com o meu corpo é de fácil leitura. Posso ver o repúdio da conservadora mãe do amiguinho de escola do meu filho que indicou aquele jogo violento de PS3, a inveja da colega de trabalho confirmando que a mastopexia deixou tudo em cima mesmo. A colega de trabalho também lança olhares de satisfação ao confirmar que sou uma “periguete” desqualificada das boas. Ao lado dela, um colega de trabalho discorda, ele acha que sou só “das boas”. Lamentável.

Suspeito que o maior pecado feminino é ter os seios atrás dessa história toda. Esse detalhe poderia justificar o linchamento público que sofre a mulher que ousa ir direto aos dois pontos. Poderia, mas não justifica. Percebam que ser mulher, é ter seios. E estes, naturalmente carregam os mamilos, desde que o mundo é mundo. E a roda gira, retorna ao cume com muito lixo tecnológico e nenhum avanço intelectual. Não se trata de onde vamos parar. E sim, de quando vamos parar para buscar esclarecimento. Fui clara ou preciso ser mais direta?

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