13 de maio de 2014 Enviado por Beni Domingues beni-domingues colunistas amigos amizade amor companheirismo saudade
Saudade é uma droga sem remédio
A saudade dói. Disso eu tenho certeza. E ela tem tipos também. Tem gente que sente saudade de um outro tempo. Do cheiro da fronha limpa no travesseiro da casa da mãe, do latido do Rex avisando que alguém estava chegando, do barulho do Fusca do pai, estacionando na frente de casa…
Existe também a saudade dos amigos. Até mesmo daqueles que a gente custa a lembrar do rosto completamente. Uns eram do tempo da escola, que hoje não parece tão ruim como dava a impressão quando criança. Ainda mais no domingo à noite, quando algum programa da TV nos lembrava que a segunda estava chegando, e com ela as aulas, a tarefa, a matemática.
Nunca pensei que fosse sentir saudade de um lugar para onde ia meio arrastado. A não ser na hora do recreio, quando a bola rolava na quadra descoberta e o sol não fazia tão mal.
Dos tipos de saudade, o que me pega mais de jeito é a falta que sinto de casa. Viajar é bom, fascinante, educativo, transformador. Mas viajar sozinho, quando se tem um amor para reencontrar, é doer de saudade.
Eu tenho um amor em forma de esposa, amiga, companheira. E outros dois amores, que também chamo de filhas. Ou seja, minha dor dói triplicado.
Quando falo sobre a falta que sinto de casa, cada pessoa recebe de um jeito particular. Tem aquele que ouve e me deixa dizer tudo. Tem o tipo que não liga muito, porque a saudade dele é maior e sua história da lembrança parece melhor que a de todo mundo. Um ou outro vive mais a vida na flauta. Livre, leve e solto, não quer saber muito de alguém que ficou para trás. Mas acho que é disfarce. Todo mundo suspira por alguma outra metade, uma casa de infância, um sabor perdido ou uma música inesquecível.
A saudade não tem cor, sexo, nem religião. Não torce para um time só, nem escolhe entre a cidade, a praia ou o campo. A saudade é democrática, mesmo sendo tirana. Nos deixa sentir livremente, doer com nossa própria dor e ainda acha um jeito de nos trazer alegria, conforme o calendário do retorno avança.
Gosto de falar da saudade, mas confesso que não gosto dela. Nunca foi minha amiga. Por causa dela escrevo tanto sobre meu pai e um amor de filho que não me cabe. Ela também me provoca recordações de um corpo mais leve, que corria e se cansava menos, vivendo como se o espaço entre o hoje e o futuro fosse maior do que de fato é.
Mas não tem outro jeito. Qualquer poeta, escritor, cronista ou contador tem a saudade como sua inspiração mais íntima. Ela é um espírito que sopra frases e encanta as palavras. Um tipo de droga independente.
Hoje me disse que um dia ficarei mais velho. E meu estoque de saudade estará maior. Não sei se foi uma lição de vida ou mais uma das suas piadas sem graça. Não parei pra pensar demais nisso. Minha passagem de volta está comprada e a saudade que trate de sossegar por um tempo. Pelo menos até a próxima página.
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