26 de março de 2014 Enviado por Ana Issa ana-issa colunistas criança crianças filho gravidez mãe maternidade materno mulheres
“Você não entende disso! Você não tem filhos”
A conversa vai bem. Algumas pessoas falam sobre crianças, aquelas coisas comuns sobre a dificuldade de se criar os filhos nos dias de hoje e então você dá um palpite (fala qualquer coisa boba, mais pra ser gentil mesmo) como: “Quem sabe se eles ficarem de castigo…” E ouve a resposta: “Ah, você não entende disso. Você não tem filhos!”
Pronto! Colocaram-na em seu devido lugar: o lugar das mulheres-não-mulheres, o lugar das pessoas incompletas, aquelas que não cumpriram o seu sagrado e divino poder de gerar. Quem entre nós, aquelas que fizemos a opção pela não-maternidade, nunca se sentiu incomodada com esta assertiva? Quem de nós não se sentiu menos mulher porque não quis ter filhos? Um aborrecimento.
É que, apesar de tudo que as mulheres alcançaram, ainda há, no mundo comum, uma equivalência entre mulher e maternidade. Como se, apesar de podermos responder por nossas (nossas, vejam bem), empresas, por nossos empregos, por nossas casas, fôssemos meio que incompletas porque não somos mães.
Eu também sei como é. Mais hora, menos hora uma criatura vai me dizer qualquer coisa que sugira minha “incompletude”, qualquer coisa que me deixe muda — e com cara de paisagem. E piora quando a fala é: “Ah, mas você ainda tem tempo, é nova…” Não tenho “tempo” (eu disfarço bem a minha idade), e, afinal, não é questão de “tempo”, é uma questão de escolha, poxa vida! Se você também passa ou já passou por isso, fique bem. É chato pra chuchu, mas é mais comum do que a gente costuma falar. E nem sempre foi assim.
Há muitos anos, quando éramos tidas como a encarnação do pecado e da sedução, ninguém achava bacaninha que tivéssemos esta “estranha” capacidade de parir. Este endeusamento da maternidade é recente (para a História, claro!), tem um pouco mais de duzentos anos, e só aconteceu porque a mortalidade infantil tornou-se muito grande. Como a indústria nascente precisava de trabalhadores como se fosse uma draga, alguém tinha que cuidar da sobrevivência dos meninos e meninas… Aí está! A gente passou a ser levada em conta como mulher — desde que concebesse e cuidasse!
Além disso, é sempre bom saber (caso você queira encarar uma discussão que, aliás, vai levar nada a lugar algum, porque, insisto, falamos de escolhas, aqui), que quanto maior a renda e maior a escolaridade da mulher, mais ela posterga, ou evita, a maternidade. Isto é, cada uma de nós sabe até onde já foi, e sabe a “dor e a delícia de ser o que é”.
Finalmente, é certo que escolher ter filhos também deve ser tudo de bom. Deve ser muito legal ver seus bebes aprendendo, crescendo, fazendo as coisas por conta própria. Este artigo não é uma crítica à maternidade. Nem faria sentido! Este é um artigo para acolher e dar força àquelas que fizeram uma opção diferente e decidiram não ter suas próprias crianças, pelo menos não por enquanto. Vamos lá! Não tenham vergonha ou constrangimento, todas temos o direito à escolha, é sério! Mas, se mudarem de ideia, encarem com toda a firmeza da mesma forma, e ouçam o que diz minha mãe: “Filhos e cachorros, o bom é tê-los muitos!”
* Ana Issa é socióloga, pós-graduada em Teoria da Comunicação e Comunicação e Mercado.
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