Friday, 19 de April de 2024

Mais de trinta

Bem ou mal?

Thomas Hobbes estava certo ao escrever que o Homem é “mau em estado natural”? Ou Rousseau tinha razão ao defender que o homem nasce bom, mas é corrompido pela sociedade? Acho que ambos tem razão em parte, mas as coisas são bem mais complexas que isso. A resposta não é tão simples assim.

Primeiramente, dizer que a sociedade corrompe o caráter de alguém é algo meio difícil de justificar pois a sociedade é formada por pessoas. Não é uma personalidade diferente. O que ocorre muitas vezes é que no meio da multidão, as pessoas podem ter coragem de cometer atos que nao cometeriam sozinhas, como nos casos de grandes aglomerações onde ocorrem tumultos, vandalismos e pancadarias. Mas isso não significa que as pessoas são dominadas pela sociedade, são corrompidas por ela.

Por outro lado, vemos crianças muito novas, bebês com atitudes que podem ser consideradas más ou boas predominantemente.
Estuda-se a ligação entre fatores genéticos e mentes criminosas. É inegável que determinadas características genéticas trazem consigo uma maior probabilidade de uma pessoa cometer um crime, e poderia até ser relacionado com a maldade humana.

Também é verdade que existem pessoas que por omissão ou por escolha própria preferem se deixar levar por fatores externos. São os casos em que costumeiramente dizem que a pessoa sofreu “más influências”, o que não deixa de ser uma forma de fugir à responsabilidade por suas escolhas, uma forma de se justificar perante terceiros e a si mesmo.

Penso que todos temos o bem e o mal dentro de nós. Existe um provérbio que pode ser encontrado como de autoria de índios norte americanos ou monges e com as versões de tigres ou cachorros que diz: “Dentro de mim há dois cachorros: um deles é cruel e mau; o outro é muito bom. Os dois estão sempre brigando. O que ganha a briga é aquele que eu alimento mais frequentemente.”

Nossos conflitos internos estão presentes em tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, em tudo o que falamos, mesmo quando nos equivocamos e até mesmo quando não falamos

Nossos conflitos internos estão presentes em tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, em tudo o que falamos, mesmo quando nos equivocamos e até mesmo quando não falamos

É bem isso! Todos temos coisas boas e ruins dentro de nós e por diversas razões optamos por ser predominantemente bons ou maus. Ai entram os fatores genéticos, criação, valores. Na verdade tanto a bondade quanto a maldade são importantes e foram determinantes na construção da vida em sociedade e na evolução dos Homens.

Uma distinção importante e necessária é diferenciar a maldade da agressividade. Mesmo entre os animais ditos irracionais podemos observar que alguns possuem uma agressividade maior ou menor. No caso deles, é algo puramente instintivo. Já no nosso caso, a maldade é algo premeditado, consciente, uma manifestação da vontade. Temos a escolha, a opção de ser assim ou não. Temos o domínio sobre a situação ou ao menos deveríamos ter.

Em geral a vida nos retribui com o que damos a ela. Se fazemos o bem, agimos de forma socialmente adequada, em geral recebemos isso. Claro que existem pessoas inescrupulosas que podem nos fazer mal gratuitamente, mas falo como uma regra geral. Essa retribuição da vida seria o equivalente ás consequências, ao preço que pagamos por nossas escolhas. E não podem ser escolhidos.

Podemos escolher nossas ações, nossas decisões, fazer nossas escolhas. Mas não podemos escolher as consequências, o resultado final delas. Isso depende única e exclusivamente da forma como agimos. Entretanto, todos os nossos atos, por piores que sejam e por mais que pareçam tresloucados possuem um significado.

Nossos conflitos internos estão presentes em tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, em tudo o que falamos, mesmo quando nos equivocamos e até mesmo quando não falamos. Podemos fugir o quanto quisermos, mas não podemos fugir deles, de nós mesmos.

Muitos fatores podem interferir na formação da nossa personalidade, nas nossas escolhas, nas decisões de nossos atos e em geral nossos conflitos internos se manifestam também nessas escolhas, nessas decisões. Alimentar o tigre ou o cachorro “ruim’ ou “bom’ pode não ser uma escolha tão ao acaso assim, tão de momento, tão impulsiva, tão instintiva. Mas é sempre uma escolha!

Se tivesse que escolher apenas uma resposta, diria que o Homem é predominantemente mau em estado natural e tem plena consciência disso. Tanto é verdade que em todas as representações alegóricas do mal, este é sempre representado como algo extremamente sedutor e envolvente enquanto o bem é representado como algo insosso e sem graça. O mal está sempre ligado ao prazer imediato e o bem a algo perene, algo bom a médio ou longo prazo.

Isso é algo a se pensar, pois se as alegorias foram criadas por nós, seria um reconhecimento de que temos uma maior propensão ao mal quando falamos de algo instintivo, imediato. De qualquer forma, nossa razão faz com que possamos sempre avaliar e escolher o caminho que queremos seguir, embora não possamos escolher as consequências.

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