Monday, 29 de April de 2024

Mais de trinta

Como se não houvesse amanhã

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Inconsequência. Essa é a palavra que surge com freqüência na minha mente nos últimos tempos. Custa pensar antes de fazer ou falar algo? Calcular riscos? Como existe gente tão egoísta, fechada em seu mundinho que não percebe quanto seus atos levianos podem mudar radicalmente a vida do outro. E muitas vezes para o pior.

Como aconteceu com a família do cinegrafista Santiago Andrade. De uma hora para outra, sua esposa e quatro filhos têm de encarar uma nova rotina, sem a presença daquele que seria o provedor, o cuidador, o companheiro, o colo, o abraço, o beijo. E tudo por culpa de um rojão, artefato usado sobretudo para festejar, comemorar. Seja um gol. Seja a chegada de um novo ano. Um rojão aparentemente sem “endereço” que queimou etapas da vida de toda uma família. Pura inconsequência.

Não consigo imaginar a impotência diante de tal situação. Nunca vivi isso — alguém sair de casa e não mais voltar, assim, do nada. Mas me lembrei do sequestro de Wellington, irmão da dupla Zezé Di Camargo & Luciano, em 1999. À época, eu editava uma revista mensal, a Horóscopo, e meses antes havíamos agendado uma entrevista com o Zezé. Até que tudo veio à tona. Trinta dias. Cinquenta dias. E nada dos sequestradores devolverem o rapaz, que é paralítico e teve uma orelha decepada para que os familiares soubessem que ele estava vivo.

Meu Deus…

Quis cancelar e partir para o plano B. Mas a assessora de imprensa, Arleyde Caldi, me pediu que fosse à coletiva de imprensa de Zezé. Quis me esquivar, deixar de lado, mas ela garantiu que o cantor queria conversar pessoalmente. Fui. Ouvi tudo o que ele disse aos meus colegas jornalistas. Foram saindo um a um, até que ficamos só nós dois. Zezé estava abatido. Olhou para mim, estendeu a mão, nos emocionamos. “Nossa, Ana, quando isso tudo vai acabar? Como estará meu irmão? Onde ele dorme? O que come? Ele vai voltar?”, desabafou um homem com dor. Muita dor no coração. Muita tristeza no olhar. Mas com muita fé. E continuou: Preciso lhe pedir algo”. Eu tinha certeza do que era: cancelar a entrevista. Óbvio. Não tinha nem o que justificar. E ele falou:“Podemos fazer a entrevista e a foto amanhã? Você consegue adiantar tudo?” Fiquei chocada. “Mas, Zezé, deixa pra lá…”. Ele de novo segurou a minha mão e disse: “Ana, não vou furar com você. Isso tudo está marcado há tempos. Vamos fazer. Vai ser bom estar com pessoas queridas. Preciso me distrair”.

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Telefonei para a redação, contei tudo o que aconteceu e agilizamos a pauta para o dia seguinte. E, na medida do possível, tudo correu muito tranquilo. O celular do Zezé não parava de tocar, lógico, mas ele segurou a onda. Focado, fez tudo com muito carinho. Eu me despedi profundamente agradecida pela pessoa incrível que ele foi. E sei que continua sendo!

Zezé foi embora cabisbaixo. O caso de seu irmão só se resolveria dali a 44 dias. Dá para imaginar três meses e quatro dias de incerteza? De insônia? De ameaça? De medo? De insegurança? E tudo porque um grupo de inconsequentes decidiu tirar alguém do convívio familiar em troca de dinheiro. Sem pensar em nada. Nem em ninguém. Apenas fez. Sem pesar, sem analisar, sem considerar. Sem pudor, sem amor, sem temor. Como se não houvesse o amanhã. E famílias inteiras, como a de Wellington e a de Santiago, têm a vida marcada para sempre. Lamentável!

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