Thursday, 28 de March de 2024

Mais de trinta

Sobre o comportamento e direitos das mulheres

As mulheres não podem ter manifestações “exageradas” de emoção como gritar ou chorar “à toa”, se o menino grita ou chora é porque, certamente, aconteceu alguma coisa séria

As mulheres não podem ter manifestações “exageradas” de emoção como gritar ou chorar “à toa”, se o menino grita ou chora é porque, certamente, aconteceu alguma coisa séria

Faz uns dias foi divulgada uma pesquisa do IPEA — Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — que dizia, a princípio, que mais de 60% dos entrevistados entendia que a maneira de uma mulher se vestir justificava seu estupro iminente. Todo mundo viu e, aparentemente, se chocou com os resultados da pesquisa.

Logo depois, o Instituto voltou atrás e disse que havia cometido um erro; na verdade “só” 26% dos entrevistados havia associado o jeito de se vestir das mulheres ao “querer ser estuprada”.

Ao mesmo tempo, os movimentos feministas abriam a boca para reclamar junto à Companhia do Metropolitano (Metrô), sobre o desrespeito a que as mulheres são submetidas quando estão nos vagões muito cheios e são tocadas de um jeito libidinoso pelos homens.

Foi um auê, todo mundo postou um ou outro comentário na rede, o assunto virou debate nas mesas de bar, cada um que falava buscava ser o mais indignado de todos. Indignar-se contra estes boçais, que cometem tamanha agressão, passou a ser sinônimo de “ser uma pessoa legal”, um cidadão respeitoso…

Ah, é? Ah, é? Ow, ando com a paciência estourada com este tipo de comportamento oba-oba! A sensação que tenho é de que, oras, mais uma vez descobrimos a roda!

Qualquer mulher, qualquer mesmo, bonita, feia, velha, nova, e que não viva em uma bolha de clausura, já passou pelo constrangimento de ser tocada, ou encostada, ou ouviu alguma palavra grotesca de algum idiota ao caminhar pela rua. Nem é preciso estar no apertado transporte coletivo para passar por um vexame assim. Nem há nada de novo na divulgação destes horrores. Tudo como sempre foi.

E certamente continuaremos a viver o mesmo problema. Apesar do disse-me-disse que a pesquisa causou, e apesar da comoção que se instalou entre as pessoas, eu não vi nenhuma manifestação mais consistente da sociedade civil, nem atitude séria sendo tomada, pelo menos, pelos órgãos públicos — sim, porque este também é um problema público na medida em que afeta, no mínimo, mais de 50% da população do país…

E não me digam que separar vagões de uso exclusivo de mulheres durante a hora do rush é resolução. Belo serviço, né? Afasta-se a vítima e deixa-se o vitimador agir livre, leve e solto em qualquer outro lugar: nas praças, nas ruas, nas filas do supermercado…
A questão é que o buraco é mais embaixo. Estas manifestações de desrespeito às mulheres, quando se tornam públicas, só demonstram aquilo que, no mundo privado, também não anda bem.

Em muitas casas brasileiras, nos nossos relacionamentos a dois, no trabalho, parece que existe um acordo não-falado que determina o comportamento que nós, mulheres, devemos ter.

As mulheres não podem ter manifestações “exageradas” de emoção como gritar ou chorar “à toa”, se o menino grita ou chora é porque, certamente, aconteceu alguma coisa séria; as namoradas não devem beber muito para evitar o riso solto ou falar demais quando estão com o namorado, mas se o namorado bebe e fala e ri e se diverte significa que ele está bem e feliz; a profissional não deve se manifestar quando alguma coisa vai mal na empresa porque isso é falta de controle ou coisa de gente que fala demais, fofoqueira mesmo, mas se o profissional se manifesta, ele é um cara que “vestiu a camisa da empresa”… As mulheres não podemos nos colocar, ainda hoje, apesar de todo o discurso libertário que ouvimos por aí.

Portanto, enquanto estamos nos separando, homens e mulheres, enquanto não nos vemos como gêneros diferentes, sim, mas complementares, enquanto aos homens for aceito e aplaudido determinado comportamento e este mesmo comportamento for execrado em uma mulher, enquanto a educação dada pela família, não reconhecer as diferenças onde realmente somos diferentes e nos permitir sermos igualmente e completamente humanos, nós, homens e mulheres continuaremos a passar por situações que desrespeitam toda a sociedade.

Por fim, outro dia, com amigas num happy-hour, naquela coisa de reunião só de mulheres mais bebida (uma combinação explosiva porque nós temos uma capacidade menor de absorver e digerir álcool, mas a gente acaba se esquecendo disso…), pois bem, enquanto nos divertíamos, olhamos algumas mesas ao lado com moças e seus namorados. Todas as moças, todas mesmo, com uma imensa cara de enfado… Enquanto os moços falavam, elas pareciam estar em Marrakesh, silenciosas em tudo — e, aparentemente, sem nenhum prazer por estar ali, ao lado do amado.

Pensei imediatamente: “Estes namoros não duram mais um mês”, mas, pensando melhor, vi que era o contrário: aquele tipo de namoro os levaria ao casamento. Um casamento de contenções e de abusos, onde a mulher se submeteria à “persona” que criaram para ela e onde o homem não conseguiria dedicar-lhe qualquer consideração. Um relacionamento que acabará ultrapassando as paredes de casa — e que nenhuma lei Maria da Penha conseguirá sanar…

*Título do romance de Erich Maria Remarque, publicado em 1929.

Ana Issa é socióloga, pós-graduada em Teoria da Comunicação e Comunicação e Mercado.

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